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Pais e filhos: vamos falar de sexualidade?

A adolescência traz dúvidas, mas também oportunidades de esclarecer, formar e informar os mais novos. Conversar sobre o tema não tem de ser um quebra-cabeças ou um fator de stresse para os pais, garante Hugo Braga Tavares, pediatra e coordenador do Centro Multidisciplinar do Adolescente do Hospital Lusíadas Porto.

O recém-nascido manifesta prazer em cada carícia e com a satisfação das suas necessidades básicas. Um bebé de nove meses apresenta comportamentos de autoexploração do corpo ao descobrir e manipular os seus órgãos genitais.

A partir dos dois anos, a criança auto-classifica-se no que diz respeito à sua identidade sexual – devendo poder fazê-lo sem que os pais forcem a escolha do cor-de-rosa ou do azul, se jogam à bola ou brincam às cozinhas e às bonecas. E tudo isto acontece antes mesmo da chegada da “idade dos porquês”...  “A sexualidade está presente desde o nascimento”, sublinha o pediatra Hugo Braga Tavares, coordenador do Centro Multidisciplinar do Adolescente do Hospital Lusíadas Porto.

“Os pais devem aproveitar todos os momentos para a descobrir, viver e discutir com os seus filhos, usando linguagem e estratégias adequadas à sua idade”, defende o especialista.

  • Entre os 3 e os 6 anos

Nesta fase, a curiosidade pelo próprio corpo e pelo do outro começa a revelar-se e Hugo Braga Tavares aconselha os pais a “aceitar com naturalidade e sem culpabilização” o surgir de “comportamentos exploratórios assumidos”. A manipulação dos genitais por prazer, que por vezes surge, não deve ser contrariada, reprimida ou censurada, cabendo aos pais “contextualizar apenas o momento e o espaço da sua ocorrência”.

“Na fase edipiana dos 3 aos 6 anos a criança desenvolve uma relação de maior proximidade (também no seu imaginário sexual) com o progenitor do mesmo género e rivaliza com o outro pela 'posse' e atenção do pai/mãe. Esta fase culmina com a reaproximação e estruturação da criança em relação ao próprio género. É, também, uma oportunidade do casal definir os limites e reforçar a sua relação e necessidade de intimidade, sem que isso seja sentido como uma perda pela criança”, explica o pediatra.

  • Dos 6 aos 10 anos

A entrada na escola traz novos desafios e curiosidades sobre aspectos anatómicos da sexualidade, com algum sentimento de pudor pela exposição e pela nudez”, refere Hugo Braga Tavares. Este pudor deve ser respeitado e poderá ser uma oportunidade para discutir com a criança os limites e o direito à privacidade.

Além disso, “testa a afetividade em relacionamentos extrafamiliares” com o alargamento progressivo da sua rede social, amizades e os primeiros "namoros". Esta é, também, uma oportunidade para recorrer a novos auxiliares (livros, programas de televisão, ocorrências do dia a dia) para ajudar a discutir alguma das questões anatómicas e relacionadas com os afetos. “É fundamental que a criança entenda que há diferenças entre rapazes e raparigas, que devemos aceitar as diferenças e respeitar os limites do outro e os nossos também.

Ao fazê-lo, abordaremos, necessariamente, as questões da homossexualidade, na forma natural como vivemos e assumimos as nossas preferências”, salienta o especialista. “Além disso, a compreensão do respeito pelos limites é também crucial para a prevenção das situações de abuso sexual.”

“As intervenções ao longo do crescimento de uma criança poderão substituir ou relativizar o peso daquela ‘conversa’ que tanto stresse causa aos pais na adolescência...”, sublinha o pediatra Hugo Braga Tavares.

  • Adolescência

A adolescência, que a Organização Mundial de Saúde considera, em sentido lato, o período entre os dez e os 19 anos, traz “novos elementos, como as significativas transformações corporais e especial enfoque nas mudanças ‘sexuais’, a redefinição permanente da sua identidade e a insatisfação que muitas vezes esta acarreta, a vontade de testar os limites e a descoberta do sexual (no próprio e em relação com o outro)”.

A adolescência “é também uma fase de natural distanciamento dos pais, o que pode dificultar a tarefa da comunicação, nomeadamente no que toca a assuntos tão sensíveis”, reconhece o especialista.

“Surgem naturalmente questões relacionadas com a parte 'mais sexual' e erótica da sexualidade” e é importante que a sexualidade não seja um assunto tabu entre pais e filhos. Até porque é a altura para “abordar as questões sobre a responsabilidade inerente ao início da atividade sexual, da contraceção e das infeções sexualmente transmissíveis (IST)”, temas que devem ser debatidos, “sem nunca esquecer de incluir a discussão sobre os afetos e como deverão estar no centro de qualquer relacionamento”.

6 conselhos práticos para os pais 

1. Sentido de oportunidade para falar sobre sexualidade

Todos os momentos devem ser aproveitados para promover o esclarecimento das questões relacionadas com a sexualidade, surjam as conversas e dúvidas a propósito de um programa de televisão, rádio, um livro ou uma conversa na escola. Se a ocasião não for oportuna, ou se os pais não se sentirem preparados, “quando muito, os pais podem dar no imediato apenas uma resposta breve, prometendo (e cumprindo!) voltar ao tema da sexualidade logo que possível, sem adiarem indefinidamente o assunto”, explica Hugo Braga Tavares.

“É um erro não falar sobre sexualidade e assumir que, se os adolescentes não perguntam, é porque não têm dúvidas...”, alerta ainda. Haverá, certamente, um tempo ideal para cada adolescente. E os pais e educadores deverão estar preparados para o agarrar quando ele chegar.

“Os currículos escolares foram desenvolvidos tendo em conta o estádio ideal para a abordagem de alguns destes temas. E, não o tendo feito antes, essa altura será uma ótima oportunidade para abordar as questões relacionadas com a sexualidade... Dessa forma, a transversalidade da discussão do tema reforçará a normalidade da sua abordagem (um tema tão importante que é discutido em casa e na escola...) e a naturalidade como passa a ser assumido”, explica.

2. Disponibilidade

"Saber ouvir é fundamental! Sem criticar ou julgar”, alerta Hugo Braga Tavares. É importante o adolescente sentir que pode confiar no adulto e que poderá repetir este processo o número de vezes necessário.

“Se no final de uma conversa conseguirmos transmitir ao adolescente que é normal que tenha dúvidas e percebermos que, se as tiver, se sentirá à vontade para nos abordar, então teremos, certamente, criado o espaço ideal para o próprio adolescente ditar o ritmo de acesso à informação. Não precisamos (nem devemos!) esgotar o tema numa só conversa...” É importante perceber o que o adolescente quer realmente saber, e o que está por trás da sua questão ou dúvida para melhor avaliar a profundidade da resposta adequada. E fazê-lo o número de vezes necessário.

3. Verdade e rigor científico

“O adolescente não pode nunca sentir-se enganado”. Os pais podem “não contar tudo de uma só vez, mas o que contarem tem de ser verdade”, reforça Hugo Braga Tavares. Se, por um lado, é um facto que a máxima “se tem idade para perguntar, tem idade para ouvir a resposta”, cabe aos pais perceber até onde devem ir e procurar adaptar a resposta ao contexto que provocou a dúvida ou o comentário.

“Devem tentar perceber o porquê da pergunta ou mesmo devolvê-la para tentar perceber se resulta de algo que viu, leu, sentiu, vivenciou ou experimentou, e tentar partir do que a criança/o adolescente sabe”, explica o especialista, que aconselha os pais a usarem a terminologia correta, mesmo que inicialmente isso crie algum desconforto. A concorrência dos media, das conversas de "amigos" como fontes de informação é grande e os pais devem estar atentos para desfazer equívocos e falsos conceitos.

4. Educação para os afetos

“Os afetos deverão estar sempre no centro de todas as conversas sobre sexualidade”, defende o pediatra. E isto porque quando se reduz um tema à sua vertente física, “a mensagem que se transmite ao adolescente é que os afetos têm um significado e um valor menor do que o biológico”.

E isso pode ajudar a “potenciar comportamentos exploratórios vazios de sentido e que se sabe que acabam por ser mais frequentemente associados a risco”, explica. Para Hugo Braga Tavares não existem exceções, qualquer pergunta se presta a um esclarecimento na sua dupla vertente, mesmo as que se centram nos aspectos mais biológicos.

“Para a pergunta 'Mãe, o que é uma ejaculação?', a resposta deve ser um esclarecimento do que é a ejaculação e em que contextos surge, mas acompanhada de uma contextualização sobre como habitualmente resulta de um comportamento de autodescoberta ou de um momento afetuoso muito íntimo, que é importante, e complementa um relacionamento entre duas pessoas”, exemplifica.

Dependendo da maturidade do jovem, a ocasião pode ou não ser aproveitada também para abordar as questões da contraceção e das doenças sexualmente transmissíveis.

5. Naturalidade e tacto

A descontração e o bom humor podem ser bons aliados na hora de ultrapassar os constrangimentos que os temas possam provocar. Agir com naturalidade (e brincar até!) com os temas em discussão pode facilitar a comunicação. A informalidade ajuda à empatia e isso é fundamental para que os pais consigam perceber que linguagem devem usar e “até onde devem ir” naquele preciso momento, explica Hugo Braga Tavares.

Habitualmente, os próprios adolescentes vão deixando pistas à medida que os factos vão sendo abordados, com maior ou menor profundidade e detalhe. “Muitos dizem mesmo: 'Para aí... Não quero que me digas mais nada!”. Outros insistem e repetem: 'Continuo sem perceber...”, exemplifica. Nem todos os adultos tiveram boas experiências sobre a forma como estes temas foram discutidos consigo. “Isso pode não facilitar a abordagem mas, por outro lado, pode dar a ideia aos pais do que não querem e não devem fazer com os seus filhos!”

6. Amor e respeito

O ritmo de crescimento é diferente e a personalidade do pré-adolescente ou adolescente também ajuda a ditar as regras. Mostrar amor é também, neste caso, mostrar respeito pela pessoa que têm à sua frente, “sem querer impor a sua visão pessoal, a sua verdade”, explica o pediatra.

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