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Hemofilia: sintomas e diferentes tipos

Revisão Científica
É uma doença rara que pode atravessar gerações de forma silenciosa. As mulheres são “portadoras” do gene, mas os homens é que desenvolvem a hemofilia, explica Daniela Pereira Alves, especialista em Hematologia Clínica do Hospital Lusíadas Lisboa.

O que é 

“A hemofilia é uma doença genética, hereditária, associada a uma deficiência na coagulação do sangue, por diminuição dos níveis de um dos fatores, ou seja, de uma das proteínas que contribuem para a cascata de coagulação”, explica Daniela Pereira Alves, hematologista do Hospital Lusíadas Lisboa.

Para que a coagulação aconteça, é necessário que os fatores sanguíneos, identificados por numeração romana de I a XII, trabalhem sequencialmente, como se fosse um efeito dominó (daí a utilização do termo cascata). Cada um dos 12 fatores tem o seu papel num processo que culmina com a formação de fibrina, uma espécie de rede que atua na formação do coágulo sanguíneo, juntamente com as plaquetas, impedindo a hemorragia.

A hemofilia é um problema raro, que afeta cerca de 700 portugueses, de acordo com a estimativa do primeiro inquérito nacional sobre hemofilia, coordenado pela Universidade do Minho e apresentado em 2017.

Tipos de hemofilia

Na origem do distúrbio hemorrágico podem estar diferentes problemas.

  • Hemofilia A

Corresponde a um défice do fator VIII da coagulação. Com uma incidência de um em cada 10 mil habitantes, é o tipo mais frequente de hemofilia em todo o mundo.

  • Hemofilia B

É o tipo mais raro de hemofilia e surge quando a produção do fator IX da coagulação é insuficiente. Em média, há um caso por cada 50 mil pessoas.

  • Hemofilia adquirida

É considerada uma doença autoimune e idiopática, ou seja, de causa desconhecida. Manifesta-se em idades tardias e não está relacionada com o defeito na produção de qualquer fator de coagulação, mas sim com a produção de anticorpos que agem contra essas proteínas no sangue.

O excesso de anticorpos resulta na diminuição da disponibilidade desses fatores e a cascata de coagulação deixa de funcionar. A incidência da doença é de 1,5 por cada milhão de habitantes.

Transmissão e fatores de risco

A hemofilia apresenta uma hereditariedade ligada ao cromossoma X. “As mulheres são consideradas ‘portadoras’ e os homens é que desenvolvem a doença — e isto porque, como elas têm dois cromossomas X, possuem duas cópias do gene que codifica o fator VIII e o fator IX.

Ou seja, mesmo que apresentem uma anomalia numa das cópias, o gene remanescente funciona plenamente e compensa essa falha”, esclarece a hematologista. Apesar de ser frequente a identificação da doença em crianças sem antecedentes familiares conhecidos de hemofilia, na maioria dos casos confirma-se que a mãe já apresentava esse defeito genético.

“E se fosse possível analisar gerações anteriores, o que se verificaria era que a mutação já estaria a ser herdada, só que de forma ‘silenciosa’, ou seja, não tendo ainda sido transmitida a ninguém do sexo masculino que desenvolvesse a doença”, acrescenta Daniela Pereira Alves.

E quais os fatores de risco? “Os antecedentes familiares de hemofilia e a consanguinidade são os únicos fatores de risco”, garante a médica. A existência de elos de parentesco entre pai e mãe tende a aumentar o risco de várias doenças hereditárias, entre elas a hemofilia.

Se a mãe é portadora ou o pai tem hemofilia, a probabilidade de os descendentes herdarem o gene anómalo é de 50%. As raparigas serão portadoras e os rapazes desenvolverão a doença. “Será sempre necessário um grande aconselhamento familiar”, alerta a especialista em Hematologia Clínica.

Sintomas

A hemofilia grave provoca hemorragias, frequentemente nos músculos e nas articulações, que são potencialmente fatais, nomeadamente quando ocorrem no Sistema Nervoso Central (“derrame cerebral”). Os doentes com hemofilia ligeira ou moderada correm também um risco maior de hemorragia, sobretudo após cirurgias e outros procedimentos invasivos como extrações dentárias. Antes de se submeterem a qualquer tipo de intervenção, deverão fazer um tratamento profilático.

Nota: A gravidade da doença depende da severidade do défice do fator sanguíneo em causa. A atividade normal dos fatores da coagulação é de 50% a 200% e os doentes com hemofilia grave registam habitualmente uma atividade do fator deficitário inferior a 1%, um valor que está associado ao sangramento espontâneo, que não é causado por trauma ou lesão. Um valor de atividade entre os 5% e os 50% é considerado hemofilia ligeira. 

Diagnóstico de hemofilia

O diagnóstico da doença é obtido por análise sanguínea, por vezes até à nascença. “Nos bebés com hemofilia grave, as hemorragias acontecem frequentemente logo após o parto, o que permite um diagnóstico também precoce”, explica a hematologista.

Os quadros de doença ligeira poderão ser detetados mais tardiamente, mas quase sempre ainda na infância. “As hemorragias típicas dos doentes com hemofilia não são os tipos mais habituais de hemorragia num indivíduo saudável e por isso levantam logo suspeição”, salienta a médica.

É raro um doente chegar à idade adulta sem um diagnóstico estabelecido de hemofilia A ou de hemofilia B. Quando o que está em causa é a forma adquirida da doença, aí sim, o diagnóstico chega já na idade adulta, até porque o problema afeta principalmente os idosos. “Por regra, são doentes com quadros clínicos muito complexos e graves, que frequentemente têm outras doenças que estão a potenciar a hemofilia adquirida”, explica Daniela Pereira Alves.

“Nestes casos, o prognóstico é reservado, já que a maioria dos tratamentos convencionais para controlo dos défices da coagulação é ineficaz.”

Tratamento

  • Hemofilia grave

O tratamento requer a reposição do fator em falta (VIII ou o IX) e há ainda alguns tratamentos adjuvantes que indiretamente aumentam a disponibilidade do fator da coagulação no sangue”, diz a hematologista.

Essa compensação é feita através da administração, por via endovenosa, de um concentrado do fator deficitário, obtido com recurso a bioengenharia ou purificado a partir de plasma de dadores.

O tratamento tem duas fases. O controlo de episódios hemorrágicos é feito em internamento, para que os médicos consigam monitorizar a resposta do doente e avaliar a extensão da hemorragia. Já a administração profilática do fator deficitário pode ser feita na casa da pessoa. Este último procedimento é uma “estratégia importante, já que hemorragias repetidas podem trazer sequelas graves, principalmente a nível das articulações”, alerta a médica.

  • Hemofilia ligeira

Para a maioria destas pessoas, o tratamento consiste apenas num reforço do fator de coagulação em falta antes de se avançar para procedimentos invasivos, como cirurgias.

No passado, a esperança de vida de um hemofílico era curta e os doentes menos graves chegavam à idade adulta com graves sequelas nas articulações, mas hoje o cenário é outro. “Atualmente, os doentes com hemofilia e as suas famílias são acompanhados em centros especializados no tratamento destas doenças, com grande sucesso e melhoria tanto das complicações hemorrágicas como das sequelas tardias.

Sendo que todos os procedimentos cirúrgicos são feitos nesses centros, minorando os riscos graças a uma grande articulação entre imunohemoterapeutas e cirurgiões”, explica Daniela Pereira Alves.

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Dra. Daniela Pereira Alves

Dra. Daniela Pereira Alves

Hospital Lusíadas Lisboa
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