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Alcoolismo: sinais de alerta e consequências

Consumir bebidas alcoólicas é um hábito cultural enraizado que pode tornar-se um vício com consequências graves. José Fernando Santos Almeida, psiquiatra do Hospital Lusíadas Porto, ajuda a reconhecer a fronteira entre o consumo em excesso e a dependência da bebida e explica os perigos que o alcoolismo representa para a saúde.

O consumo abusivo de álcool, “tratando-se de uma questão pontual, ou estando ligado a uma determinada época do ano ou período limitado de tempo, apesar de poder ter efeitos nefastos para o organismo, não significa que exista dependência”, explica José Fernando Santos Almeida, coordenador da Unidade de Psiquiatria do Hospital Lusíadas Porto. A Síndrome de Dependência Alcoólica (SDA), ou Perturbação de Uso de Álcool, vulgarmente designada por alcoolismo, “envolve um padrão problemático de uso de álcool que conduz a mal-estar ou défices clinicamente significativos”.

6 sinais de alerta de dependência alcoólica

1. Existe uma história de consumo em quantidade superior e por um período de tempo mais longo do que a própria pessoa pretendia, podendo esta demonstrar um desejo persistente ou esforços mal sucedidos para diminuir ou controlar o uso de álcool;

2. É reconhecido um forte desejo ou impulso pelo uso de álcool. A ingestão compulsiva de álcool ocorre, apesar de o sujeito ter consciência que isso lhe trará múltiplos problemas;

3. O álcool passou a ocupar progressivamente um lugar importante na vida da pessoa em causa;

4. O indivíduo mostra evidências de tolerância ao álcool. Necessita de quantidades crescentes de bebida para atingir a intoxicação ou o efeito desejado ou, em alternativa, ocorre uma diminuição do efeito com a ingestão da mesma quantidade de álcool;

5. Verificam-se sintomas de abstinência física (ansiedade, tremuras, insónia, suores, náuseas, vómitos, agitação psicomotora, etc.);

6. Há um prejuízo da vida da pessoa relacionado com o consumo de álcool.

Perigos do alcoolismo

O risco de dependência de álcool é de aproximadamente 10% para os homens e 3 a 5% para as mulheres. A taxa de abuso de álcool pode ser de até 20% para os homens e 10% para as mulheres. “É essencial que as pessoas tenham consciência dos malefícios do consumo excessivo de álcool. Uma boa saúde mental exige que cuidemos do nosso corpo com a consciência de que é único e tem mecanismos (por exemplo cerebrais) que o uso abusivo de álcool pode lesionar, e que nem sempre são totalmente reparáveis quando perturbados, inclusive, quando se é jovem”, lembra o especialista do Hospital Lusíadas Porto.

Consequências a curto prazo

Quanto mais alta for a concentração de álcool no sangue, mais severas poderão ser as alterações da consciência e os sintomas de intoxicação alcoólica:

  • Comportamento desadequado;
  • Humor instável;
  • Falta de discernimento;
  • Fala arrastada;
  • Défice de atenção;
  • Problemas de memória, incluindo-se “apagões” de memória
  • Falta de coordenação;

Uma intoxicação alcoólica pode ser ultrapassada no espaço de algumas horas e não deixar qualquer sequela. Nos casos mais graves, porém, a situação pode evoluir para coma alcoólico ou até mesmo resultar em morte.

Consequências a médio e longo prazo

O alcoolismo tem vários efeitos e muito negativos sobre a saúde física e psíquica, que na maioria das vezes causam prejuízos graves nos vários contextos em que a pessoa se move, sejam eles laboral, familiar ou social, e que estão relacionados com exclusão social, acidentes de trânsito, comportamentos agressivos, etc.

Problemas físicos

Gastrointestinais: Úlcera, varizes esofágicas, gastrite, gordura no fígado (esteatose hepática), hepatite, pancreatite, cirrose;

Neuromusculares: Cãibras, perda de força muscular, dormência, distúrbios de coordenação;

Cardiovasculares: Hipertensão, arritmias, aumento do risco de acidente vascular isquémico;

Sexuais: Redução da libido, ejaculação precoce, disfunção erétil, infertilidade.

Transtornos mentais

Depressão: O álcool tem um efeito depressor sobre o sistema nervoso central e aumenta o risco de perturbações de humor e de depressão, que se revelam pelos sintomas habituais, desinteresse, perda ou aumento de peso, perturbações do sono, fadiga, perda de energia ou agitação, pensamentos negativos e de culpabilização, diminuição da capacidade de pensamento ou concentração, e, nos casos mais severos, pensamentos suicidas.

Abstinência: Ocorre quando, após um período de alcoolismo intensivo, há uma paragem no consumo ou uma redução abrupta e significativa das quantidades ingeridas. Pode revelar-se algumas horas depois ou surgir até quatro a cinco dias após esse momento e os sintomas são: taquicardia, tremores nas mãos, insónia, náuseas e vómitos, alucinações, inquietação, agitação e ansiedade. Nos casos mais graves, a situação de delirium tremens é acompanhada de febre, convulsões e confusão mental.

Demência: A memória é frequentemente afetada não só pela ação do álcool como pela má nutrição, que torna frequente nos alcoólicos a carência de vitamina B1, essencial para a manutenção da capacidade de armazenar novas memórias. “A degradação da memória, causada pelo consumo excessivo de álcool, pode perdurar e inclusive agravar-se ao longo dos anos”, alerta José Fernando Santos Almeida.

Psicose: Induzida pelo álcool, consiste sobretudo em alucinações e ideias delirantes (ideias falsas que resistem a toda a argumentação lógica e ao teste da realidade). Afeta 3% dos dependentes do álcool. “Há pessoas mais suscetíveis a sofrerem uma psicose do que outras e a durabilidade da psicose está dependente de inúmeros fatores (manutenção do consumo, vulnerabilidade, história prévia de psicose, concomitância de consumos de outras substâncias, etc.).”

Tratamento do alcoolismo

Ultrapassar a dependência alcoólica exige uma abordagem personalizada e, na maioria dos casos, uma terapia multidisciplinar. “Pode exigir acompanhamento em consulta por um período limitado ou prolongado de tempo, ou requerer internamento relativamente curto ou muito prolongado (por exemplo, o internamento numa comunidade terapêutica)”, explica o psiquiatra.

A terapia psicofarmacológica - que permite atualmente o recurso a medicamentos com efeitos sobre a forma como o organismo reage ao consumo de álcool, desincentivando o seu consumo - é quase sempre muito útil, assim como a psicoterapia. “A combinação das duas costuma ser mais eficaz e ter melhores resultados”, salienta o médico, lembrando ainda que “o apoio da família (e não só) é também muito importante neste domínio”.

Depois do tratamento é muito importante assegurar que o doente se mantém empenhado no processo terapêutico e que tem o apoio das figuras mais importantes, para ele, nesse processo. “O psiquiatra tem um papel relevante no diagnóstico e tratamento do alcoolismo, mas também na prevenção secundária e no tratamento de concomitantes sintomas que o doente possa ter, como a depressão, que perturbem a sua qualidade de vida e contribuam para o doente retomar o consumo de álcool”, explica o especialista. Evitar as recaídas é fundamental.

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Prof. Dr. Fernando Almeida

Prof. Dr. Fernando Almeida

Coordenador da Unidade de Psiquiatria

Hospital Lusíadas Porto

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