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Dor: o 5º sinal vital

Revisão Científica
A dor pode ser um sinal de alerta e ter um papel fundamental na proteção do organismo, mas também ser ela própria uma doença. José Caseiro, especialista da Unidade de Tratamento da Dor do Hospital Lusíadas Lisboa, aponta as diferenças e explica como a medicina considera este sintoma um sinal vital e valoriza o tratamento da dor crónica.

O que é?

 A dor é um dos conceitos clínicos mais difíceis de descrever com objetividade. É sempre uma sensação negativa, mas caracterizá-la nunca foi tarefa fácil, nem mesmo para a comunidade científica. Atualmente, há, no entanto, uma definição consensual no meio clínico: é “uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada ao dano tecidual real ou potencial, ou descrita em termos de tais danos”.

A explicação data de 1990, altura em que “a Associação Internacional para o Estudo da Dor reuniu uma task force de peritos com o objetivo de chegar a um indispensável consenso, para que todos falássemos da mesma coisa e utilizássemos a mesma linguagem quando nos referimos à dor”, explica José Caseiro, especialista da Unidade de Tratamento da Dor do Hospital Lusíadas Lisboa. “Todas as formas que se conhecem cabem nesta definição e por isso todos a devemos utilizar e divulgar”, defende o especialista.

Sintoma ou doença?

  • Dor aguda

É um sintoma. Indica que algo não está bem e é expectável que desapareça assim que se chegue a um diagnóstico e se consiga eliminar a causa. “Apesar de indesejável, tem uma função de alerta, com um valor biológico protetor, por denunciar a razão que a provoca”, comenta o médico.

  • Dor crónica

É uma doença. Provoca sofrimento e não tem qualquer utilidade em termos biológicos. Nem sempre é possível determinar a sua causa “e a sua persistência no tempo acaba por lhe conferir autonomia própria, envolvendo outros sintomas que contribuem para a sua complexidade e tornando menos provável a possibilidade de cura”, explica José Caseiro.

Tipos 

  • Dor nociceptiva

Traduz a habitual dor física, “sentida na proporção da agressividade do estímulo doloroso que a provocou e do território afetado no nosso organismo”.

  • Dor neuropática

Está relacionada com lesões e disfuncionalidades verificadas ao nível das estruturas do sistema nervoso e “manifesta-se com características da propagação do influxo nervoso (a nossa eletricidade), que levam as pessoas a sentir picadas queimaduras ou choques”.

  • Dor psicogénica

“Resulta de distúrbios do sistema nervoso ligados à parte emocional, manifestando quadros dolorosos complexos, que poderão simular dor nociceptiva ou mesmo neuropática”, explica José Caseiro. A perceção da dor existe mesmo e é importante sublinhar que “não se trata de uma dor inventada”. Tão pouco esta hipótese deverá “servir de escapatória para todas as situações que criam dificuldades aos clínicos e que, por vezes, levam a que se rotulem de dor psicogénica quadro dolorosos que ‘apenas’ são difíceis”, acrescenta o especialista.

Como é possível medir? 

Avalia-se a sua intensidade “de uma forma tão subjetiva quanto subjetiva é a própria dor”, mas esta sensação é cada vez mais valorizada. Nos hospitais, o “sintoma dor” é considerado atualmente um quinto sinal vital, sendo aferido rotineiramente, a par da temperatura, frequência cardíaca, frequência respiratória e a tensão arterial. “Desta forma, independentemente do motivo pelo qual a pessoa esteja internada, qualquer aparecimento de dor pode ser tratado na justa medida da sua importância”, justifica José Caseiro.

  • Dor aguda

Habitualmente, utilizam-se escalas numéricas de 0 a 10, ou escalas visuais analógicas que permitem uma valoração semelhante. “Os métodos mais elaborados, como os questionários McGill ou o Pain Inventory, são mais complexos, morosos na sua aplicação, exigindo a experiência dos profissionais e a capacidade de compreensão dos doentes” e por isso são raramente utilizados, mesmo nas suas versões mais curtas.

  • Dor crónica

O valor das medições é mais relativo até porque a intensidade “está longe de ser o aspeto mais importante das características que o quadro doloroso possa apresentar”, alerta José Caseiro. “Os melhores modelos de avaliação para dor crónica são complexos, debruçam-se sobre as diferentes características da dor, nem sempre são consensuais e têm difícil aplicabilidade na clínica diária, pelo que são quase sempre reservados para estudos que se pretendam rigorosos nas suas conclusões”, explica o especialista.

Tratamento disponível

Os analgésicos continuam a ser “a grande arma terapêutica para o alívio sintomático da dor”, afirma José Caseiro. Podem ser usados os fármacos mais simples, como os anti-inflamatórios ou o paracetamol (considerados de 1º degrau na escala analgésica) até aos opioides fracos, como o tramadol (2º degrau) ou mais fortes, caso da morfina (3º degrau). No tratamento podem ainda ser utilizados em complementaridade diversos outros grupos farmacológicos, nomeadamente anticonvulsivantes, antidepressivos, relaxantes musculares ou ansiolíticos.

A consulta 

Quando a dor persiste, não se trata de um sintoma e pode ser definida como crónica, a melhor opção é procurar a “abordagem multidisciplinar para a qual as Unidades de Tratamento da Dor estão vocacionadas e estruturadas”, explica José Caseiro. As consultas que existem nestas unidades são asseguradas por clínicos de diferentes especialidades, psicólogos e enfermeiros treinados no acompanhamento diário destas pessoas.

Além disso, são serviços “apetrechados para alguns tipos de tratamentos de intervenção — como as perfusões endovenosas, os bloqueios anestésicos, o ozono medicinal, a radiofrequência, a estimulação transcutânea (TENS), a neuroestimulação, entre outros...— que são instrumentos em algumas situações clínicas que justifiquem a sua utilização”, explica José Caseiro.

Qualquer pessoa poderá procurar uma consulta mas, idealmente, todas deveriam ser referenciadas pelos seus clínicos. Na consulta, o médico faz um apanhado cronológico da dor e das terapias já efetuadas, podendo pedir exames complementares e decidir sobre a necessidade de acompanhamento psicológico ou de outra especialidade (por exemplo, fisioterapia), em complementaridade com a estratégia analgésica — “que, cada vez mais, se defende que seja multimodal, associando diferentes grupos terapêuticos que se complementam entre si”, acrescenta o especialista.

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Dr. José Manuel Caseiro

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Hospital Lusíadas Lisboa

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