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Hiperatividade: o que deve saber

Revisão Científica
Qualquer criança é irrequieta, desatenta, nunca espera a sua vez para falar e assim que começa dificilmente se cala. Mas, quando isto a prejudica, podemos estar a falar de Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA). Nesse caso, é melhor procurar um especialista.

“Já falta pouco, tens de ter paciência e estar sossegado!” Mas é mais forte do que ele. Enquanto espera na fila para comprar os livros para a escola, João anda de trás para a frente e da frente para trás, incomodando os outros clientes e provocando uma irritação crescente na mãe, que o acompanha. Uma hora mais tarde, chegada a sua vez, a senhora pede os livros para o 6.º ano e aguarda que a funcionária os vá buscar ao armazém da loja. De repente, solta um grito e sai a correr. “João, João, onde é que te enfiaste?”, grita, já no exterior. Minutos depois regressa, visivelmente abalada, e a “arrastar” o jovem de 12 anos, impávido e sereno, por um braço. Perante o olhar de todos os presentes, sente necessidade de se desculpar: “Está sempre a fazer isto. É hiperativo! O que eu passo com este miúdo…

” Não fosse a afirmação da mãe, provavelmente o episódio não passaria de apenas uma criança a ser isso mesmo: criança. Quem tem filhos sabe que é complicado mantê-los muito tempo sossegados e quem não os tem decerto já presenciou cenas deste tipo. “O problema não está na irrequietude ou na atividade frenética em que as crianças vivem”, destaca o pediatra Ruben Rocha, do Hospital Lusíadas Porto.

“As crianças que ‘sofrem’ com essa hiperatividade é que são verdadeiramente hiperativas. Não basta a criança ‘andar a todo o vapor’ ou ser ‘muito distraída’, é necessário haver um comprometimento clínico significativo no seu funcionamento social e/ou académico.”

 

PHDA: défice de atenção

João parece encaixar nesse perfil. A mãe lamenta-se do preço dos livros enquanto confessa que o filho chumbou: “Ele é muito inteligente. Mas estar na sala de aula, quieto e concentrado, é muito difícil.” Bem tenta acompanhá-lo em casa, nos trabalhos de casa e com exercícios extra, mas o tempo é curto e vê-se que está desalentada – afinal, o seu esforço não foi recompensado.

A Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) é geralmente diagnosticada na idade escolar, quando o seu impacto no rendimento do aluno se torna mais evidente. Estima-se que atinja 3% a 5% das crianças entre os 6 e os 12 anos. “É muito importante e primordial confirmar que existe, de facto, Défice de Atenção (DA). A distração pode ter que ver, por exemplo, com dificuldades auditivas e visuais”, salienta o neuropediatra José Vieira da Silva, do Hospital Lusíadas Lisboa.

A dificuldade do diagnóstico prende-se essencialmente com o facto de não poder assentar em análises laboratoriais ou estudos de imagem (como, por exemplo, ressonância magnética). “Baseia-se simplesmente em fazer um inventário de comportamentos e aptidões, em que os pais e os professores transmitem a sua impressão, e na avaliação por testes psicológicos – em que o desempenho da criança é comparado com um resultado médio na população”, explica José Vieira da Silva. E é neste ponto que o especialista alerta para cuidados redobrados: “Uma escola, um professor ou pais mais ‘exigentes’ põem necessariamente uma fasquia mais elevada e aumentam a probabilidade de diagnóstico de DA.” A linha que separa a normalidade desta patologia não é assim tão nítida. “É possível que a nossa sociedade seja mais competitiva e exigente em relação ao desempenho escolar e que possa existir uma mentalidade que propicia este diagnóstico”, alerta o especialista.

Tratamento da PHDA

Feito o diagnóstico é traçado um plano terapêutico individualizado que envolverá, obrigatoriamente, pais, educadores, familiares e amigos. O ideal será combinar medicamentos e psicoterapia. A opção do médico dependerá, em parte, da idade da criança, como explica Ruben Rocha: “Na idade pré-escolar dá-se preferência à terapia comportamental, enquanto na idade escolar a terapêutica medicamentosa assume um papel muito importante.

” A medicação tem como objetivo repor níveis de neurotransmissores (dopamina, noradrenalina) em determinadas áreas cerebrais, como por exemplo no córtex frontal, muito relacionadas com funções executivas e inibição de impulsos, que se sabem estar em défice nestas crianças. A sua eficácia e segurança estão largamente comprovadas em mais de 60 anos de utilização regular e continuada em todo o Mundo. A dose terapêutica deverá ir aumentando gradualmente até se obter o máximo de resultados com o mínimo de efeitos secundários. De salientar que o paciente poderá interromper o tratamento em qualquer altura, sem ser necessário qualquer tipo de “desmame”. Nenhum dos medicamentos psicostimulantes utilizados no tratamento da PHDA tem efeito a longo prazo. A sua ação é limitada ao intervalo de tempo em que permanecem concentrados no organismo.

No caso da terapia comportamental, o objetivo é modular o ambiente social e físico da criança, de modo a modificar o seu comportamento. Esta abordagem terá sempre de passar por uma intervenção direta junto da criança e, posteriormente, junto da família e da escola.

A importância do diagnóstico

O diagnóstico precoce aliado a um plano de tratamento eficaz restituirá à criança a possibilidade de utilizar plenamente as suas capacidades, reduzindo o risco de aparecimento de outras perturbações – como ansiedade, depressão e comportamentos desviantes, nomeadamente de consumo de drogas e álcool. O que, consequentemente, resultará num adulto que conhece as suas limitações e que aprendeu a lidar com estas, através de estratégias próprias e de uma rede de suporte que inclui todos os que lhe são próximos. Pois, como recorda o pediatra Ruben Rocha, a PHDA é uma doença crónica: “A hiperatividade e a impulsividade tendem a diminuir com o crescimento da criança, mas muitos casos continuam a preencher os critérios de diagnóstico na adolescência e idade adulta.”

Quais os sinais de alerta?

As atitudes seguintes são aquelas a que devemos estar atentos, mas que por si só não possuem capacidade diagnóstica.

Défice de Atenção

  • Deixar frequentemente de prestar atenção a pormenores.
  • Cometer erros por descuido em atividades escolares.
  • Ter dificuldade em manter a atenção em atividades lúdicas.
  • Não seguir instruções.
  • Não terminar as tarefas – em casa ou na escola.
  • Perder com frequência coisas necessárias para as suas atividades.

Hiperatividade e Impulsividade

  • Agitar frequentemente as mãos e pés ou remexer-se na cadeira.
  • Levantar-se da cadeira em situações em que deveria estar sentado.
  • Correr em demasia em situações nas quais é inapropriado.
  • Falar normalmente em demasia.
  • Dar respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido feitas
  • Ter dificuldade em aguardar a sua vez.
  • Interromper as conversas dos outros.

  Leia o artigo na íntegra na revista Lusíadas.

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Dr. Ruben Rocha

Dr. Ruben Rocha

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